Na minha Pátria inventada,
Não há dever de zelo,
Nem dever de obediência.
Aliás, quase não há deveres,
Há principalmente prazeres,
Que cada um,
Com ou sem parcimónia,
Dispõe e põe na praça ou no recato do lar.
Há o direito de chorar,
Sem justificação superior,
E também o direito de rir,
Sem nada que o obrigue a traduzir
Numa explicação óbvia;
Porque quem ri, como quem chora,
Tem razões que são suas,
E o direito à propriedade,
Das sensações, alegrias e aflições,
Cruza-se na minha pátria inventada, de lés-a-lés,
Está decretado, ratificado,
E goza de imunidade especial.
Na minha pátria inventada,
Não há nada que não seja, de modo directo ou indirecto, efeito do afecto.
Estão esquecidos, em mundos vazios e cheios de pó,
O Código Penal e o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções
Públicas,
E ninguém sabe o que são "circunstâncias atenuantes que diminuam
substancialmente a culpa do arguido",
Porque ninguém é ouvido, todos são escutados,
Com fervor e pudor,
E, para que nunca ninguém oiça o que não deve,
As escutas têm filtros de luz recta,
Que coam o importante, e escoam o restante no ecoponto da auscultação
duvidosa.
Na minha pátria inventada, as rosas perfumam os caminhos,
Mesmo os menos trilhados pelos passos treinados
Dos que conhecem a rota,
Porque se pode andar em círculo,
E até andar do avesso,
Desde que se não pare na berma da estrada,
Por desconhecer os sinais que, por razões inexactas,
Estão a céu aberto, no lugar certo.
Na minha pátria inventada, todos os homens e todas as mulheres
São livres, a todas as horas,
Podem beber chá quente e comer gelados intermitentemente,
Que não há risos perante essa insanidade,
Porque ninguém troça da liberdade.
Na minha pátria inventada, não há escravos nem senhores,
Tão pouco valores com os quais se possa carregar um jumento,
Ou igual bicho de carga, cuja extinção, em favor do bicho,
Também foi decretada.
Como prescrita foi a abolição dos deveres conjugais e outros que tais.
Na minha pátria inventada,
Ninguém se parece com o vizinho,
São todos o oposto, e é nesse rosto de desengano que vive a fascinação e
a tentação,
Que é carinho e destino, pecado não.
Na minha pátria inventada, todos são alguma coisa,
Mesmo que essa coisa dita não tenha preço no mercado financeiro,
Ou nas feiras das praças,
Tanto mais que não se vendem pessoas, aos pedaços, nos espaços comercias.
- Está tudo muito bem - diz uma voz que, agora, ouvi.
- Mas lá nesse teu lugar, nessa pátria inventada, nesse país,
Não há um dever, para além do prazer?
- Quem te julgas, ó julgador?
Na minha pátria inventada, todos leram Albert Camus
E conhecem o ímpar dever por ele ditado
Que é o único dever lá consagrado - o de amar,
Ao lado de um direito que lhe assiste
De, por isso, ser amado.
Eis aqui o fundamento da minha pátria inventada,
Onde não há julgamento
Porque o amor o anulou num só despacho regulamentar,
Sua única lei e chão,
Para tudo o resto ser nada,
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